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Monika e o Desejo, Ingmar Bergman

Embora mais conhecido por filmes sobre velhice, doença e morte, que abordou em obras primas como Morangos Silvestres (1957), O Sétimo Selo (1957) e Gritos e Sussurros (1972), Ingmar Bergman navegou por outros temas com igual habilidade. Em Monika e o Desejo (1953), o foco é a juventude. Dois adolescentes desajustados, cansados da aspereza da vida no mundo dos adultos, resolvem fugir de barco durante o verão, vivendo por praias desertas pelo litoral da Suécia. 



O cenário bucólico nem sempre é idílico. Os momentos felizes são quebrados por contratempos, desentendimentos do casal e a presença agressiva de estranhos. O mundo real não dá paz aos jovens.


Essa pulsão de fugir pelo mundo remete a O Atalante (1934), de Jean Vigo, com elementos de Tabu (1931), de Murnau, com Bergman particularmente interessado no contraponto entre o mundo real, onde os mais velhos representam o poder, e o ideal sonhador, o desejo de liberdade dos jovens. 


Ambos são desajustados. O rapaz Harry, feito com brilho por Lars Ekborg, é um desastrado, completamente inapto para o trabalho. Está sempre quebrando algo e a demissão ronda seu dia a dia. Fora do trabalho é indeciso e covarde, presa fácil para a manipulação de Monika, muito mais segura e decidida que ele. Já ela é uma típica adolescente rebelde. Não aceita ser contrariada, se revolta por qualquer coisa e por isso cria o conflito com o pai que a faz fugir de casa. Mais adiante esse seu comportamento tempestivo será determinante no relacionamento com Harry.


No início, o diretor mostra a inaptidão de Harry, fruto de sua inexperiência de pós-adolescente e a intolerância dos veteranos patrões. O mesmo se repete no relacionamento do jovem casal. Sempre que eles tentam manter alguma intimidade, alguém mais velho atrapalha. Logo no início, quando eles estavam na casa de Harry, prestes a transar, o pai de Harry, que deveria ficar a noite toda fora, retorna repentinamente porque sentiu alguma doença. Mais adiante, quando Monika foge de casa, o casal não pode ficar junto porque a tia de Harry está na casa deles.


Nesse sentido, é um filme de tentativas de recomeço.  O rapaz tentando iniciar no trabalho, a tentativa de viver juntos no barco, Harry esforçando-se para estudar e subir na vida... Mas Bergman é um pessimista e as tentativas encontram obstáculos, provocados pela inaptidão dos dois.


A fotografia de Gunnar Fischer, parceiro frequente de Bergman, é incrível, em perfeita sintonia com a narrativa, propondo contrapontos entre um universo solar, que representa o lado sonhador dos jovens, com momentos mais escuros e repletos de sombras, que representam o mundo real e opressor. É o tipo do filme que pede projeção em tela grande, para total imersão do espectador nesse bem cuidado universo visual.

Muito já se falou de um plano incrível, quase ao final, em que Monika, prestes a trair o marido na própria cama do casal, olha para a câmera. Na verdade, encara o espectador, desafiando um julgamento moralista. No fundo é como se o próprio Bergman nos desafiasse. Esse momento permite algumas interpretações, e o ideal é que cada espectador sinta a sua. Mas é inegável sua força, um dos momentos mais incríveis da história do cinema, uma cena que certamente inspirou o plano final de Os Incompreendidos, de François Truffaut, filme que por sinal compartilha o espírito libertário do filme de Bergman.


A interpretação de Harriet Andersson merece um destaque especial, até porque quando se fala em atrizes bergmanianas, pensa-se logo em Liv Ullmann, Bibi Andersson e Ingrid Thulin. Mas quem assiste a este filme jamais vai deixar de incluí-la no panteão das grandes musas do mestre sueco. É impossível esquecer a força dessa caracterização de uma adolescente irresponsável, sensual e apaixonada. Embora a personagem tenha em torno de 17 anos, Harriet tinha 20 à época do filme e teve um relacionamento com o diretor, atuando em diversos de seus filmes, incluindo Fanny e Alexander (1982) e Gritos e Sussurros (1972).


Da mesma forma que Harriet, Monika e o Desejo raramente é citado quando se pergunta a cinéfilos quais as obras primas do cineasta sueco. Mas sob qualquer ângulo, é um filme que não faz feio se colocado na mesma prateleira que Gritos e Sussurros e Morangos Silvestres, por exemplo. Em tempo, cabe aqui um puxão de orelha no título brasileiro. O título original, que faz parte da obra e é respeitado na maioria dos países, é perfeito: Um Verão com Monika.

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