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O Sétimo Selo, Ingmar Bergman

Uma simples história de amor foi a responsável por trazer até às telas um dos mais belos filmes sobre a morte. O Sétimo Selo, lançado em 1957 e dirigido pelo mestre sueco Ingmar Bergman, só pôde ser realizado porque seu filme anterior, a comédia romântica Sorriso de uma Noite de Amor (1955), foi bem recebido no Festival de Cannes de 1956. Com o sucesso do longa, não faltaram ofertas de produtores que queriam fazer parte do novo trabalho do diretor. Tanta popularidade não acalmou o coração selvagem de Bergman, que optou por cutucar a ferida do dilema existencial do homem moderno.



Se os filósofos dedicam-se ao tema em um sem número de artigos e livros, o nome mais significativo da cinematografia escandinava (ao lado de Carl Theodor Dreyer) não fica atrás e presenteia o mundo com uma obra que faz mais do que apenas dar forma às questões que colocam em xeque a fé da humanidade. Bergman faz mais do que cinema em O Sétimo Selo. Faz filosofia. Aos amantes do conhecimento que já estão mirando em direção à autora deste texto, informo que esta conclusão não surgiu da minha humilde mente. Stanley Cavell, falecido em junho deste ano, foi professor emérito de filosofia da Universidade de Harvard e um dos autores mais importantes a abordar o cinema não apenas como forma de retratar correntes filosóficas, mas dos filmes como produtores de teorias. Kurosawa, Bazin, Ford e Truffaut poderiam partilhar da mesma estante que Heidegger, Wittgenstein e Aristóteles.

Ingmar Bergman, o cineasta-filósofo, buscou em um trecho do Apocalipse a inspiração para o título de seu décimo sétimo longa-metragem. O juízo final se faz presente no filme não apenas no sentido religioso, mas também como uma alegoria da peste negra, um dos muitos medos que permeiam a trajetória do cavaleiro Antonius Block (Max Von Sydow). Sua volta para casa após a participação nas Cruzadas vai envolver muito mais que cansaço físico. Nosso protagonista se depara com um mundo em decomposição. A morte está em todos os cantos, nos corpos abandonados à beira-mar, nos olhos tristes das mulheres que esperam maridos e filhos que jamais irão voltar.


O elemento fantástico surge quando Bergman dá um rosto e um corpo à morte, que deixa de ser apenas um sentimento sufocante para tornar-se um ser que persegue o cavaleiro desiludido com a realidade que o cerca. E é nos traços expressivos do ator Bengt Ekerot que o espectador encontra aquilo que apavorou Blaise Pascal:  o silêncio eterno dos espaços infinitos. Antonius Block olha para o céu e implora por respostas. Quem, afinal, nos colocou aqui? O cavaleiro, o cineasta, os atores e o público estão de mãos dadas nesta dúvida. Desejamos que exista um sentido, um alento, uma garantia para depois do fim. O mais livre e ateu dos humanos, diante da morte, mesmo a sem rosto, anseia por uma possibilidade de nova chance, outro universo. O muro alto no qual nos equilibramos tem de um lado a fé, do outro a razão. Para não deixarmos nosso interlocutor sem resposta, optamos por um e outro, quando na verdade gostaríamos de poder despir tanto a tradição grega como a hebraica, talvez tão conflitantes quanto nossos próprios desejos.


O dilema do cavaleiro medieval é o mesmo dos que percorrem apressados as ruas do nosso tempo. O ser humano já não encontra na fé um sentido para sua vida e sai em busca de novos nortes, novas possibilidades de seguir em frente com esperança. A religião, que guiava a escolha dos homens até então, das mais singelas até decisões grandiosas, estava saindo de cena. Em seu lugar, entra a crise. Quem somos? Para onde vamos? De onde viemos? Pelo que vale a pena lutar e viver? Perguntas aos montes e quase nenhuma resposta. Está iniciado o labirinto. É numa dessas curvas de uma estrada aparentemente sem saída que nasce uma das melhores sequências de O Sétimo Selo. Com a chegada da morte, Antonius Block vacila e se diz inapto para morrer. Ao invés de discutir com a Morte, ele joga com ela uma partida de xadrez, encenada de maneira simples, sem efeitos especiais e com poucos diálogos. Essa maneira singela é o que a torna inesquecível. Em uma de suas últimas entrevistas, Bergman revelou que viu uma imagem que retratava o jogo de xadrez entre a morte e um homem numa igreja da província de Uppland, na Suécia. Um quadro que vira uma cena. Nunca é apenas um filme.


O Sétimo Selo foi lançado no auge da Guerra Fria e caiu como uma luva para um mundo em constante alerta com os perigos das armas nucleares. Mais do que um retrato metafórico e poético de sua época, o filme é uma obra de arte única, que nos coloca em xeque, perdidos no tabuleiro da vida. Em sua última cena, nos presenteia com a dança da morte, executada à beira de um precipício. O público sai da exibição vivenciando um misto de encantamento e dúvida. Afinal, a morte está em todos os cantos e nosso encontro não costuma ter hora marcada. E nem sempre permitirá uma partida de xadrez derradeira.

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