Quando as Mulheres Esperam, Ingmar Bergman
- Raquel Gomes
- 1 de abr.
- 4 min de leitura
Considerado um dos primeiros filmes com cenas cômicas de Ingmar Bergman, Quando as Mulheres Esperam, de 1952, é um precioso trabalho de aproximação intimista entre experiências femininas diversas sobre um mesmo tema: o casamento. Com roteiro baseado numa história da escritora Gun Grut, que na época era esposa de Bergman, o filme se desenvolve a partir da reunião de quatro cunhadas – Rakel, Marta, Karin e Annette – numa casa de campo, à espera de seus maridos. Enquanto aguardam ansiosas a volta deles, trocam confidências e relatam episódios de suas vidas conjugais. Junto delas está Maj, a irmã mais nova de Marta, que se torna um contraponto interessante, por ser a única do grupo que ainda não vivenciou um casamento e por ter um plano de fuga com o namorado, que diz mais sobre seu desejo de liberdade do que do romance em si.

Nas primeiras sequências do filme já se delineiam imagens e diálogos que evocam o conceito de sororidade, tão fortemente ligado ao feminismo. Isso porque Bergman quase não enquadra as personagens de maneira isolada, elas são posicionadas em relação umas com as outras. E enquanto falam sobre si mesmas também comentam sobre a condição de ser mulher e esposa, e sobre a importância de se unirem e se consolarem como forma de se fortalecerem e curarem de suas angústias. “Mulheres devem falar mais com mulheres e mais francamente”, “Você não está tão sozinha em sua solidão como pensa” e “Sabemos como é esse sentimento” são algumas das falas que reforçam a ideia de aliança feminina.
Interessante perceber que elas estão em volta de uma mesa e cada uma se põe a tecer ou costurar ou dobrar algum tecido enquanto conversa. Essa dinâmica me remete a dois caminhos interpretativos possíveis e complementares. Um primeiro, como representação da tradição de mulheres tecelãs, bordadeiras, costureiras, que se reúnem para realizar seus trabalhos manuais enquanto abrem um canal de conexão entre si – e por que não, de cura interna –, tanto pelo que fazem, quanto pela contação de histórias. Fios entrelaçados materialmente e também simbolicamente pela interação que se estabelece nesses encontros.
Um segundo caminho, pelo viés psicanalítico – e então em diálogo mais estreito com outros temas e abordagens de toda a filmografia de Bergman – que coloca a feminilidade associada à tessitura artesanal, referenciando a mulher como quem tece para encobrir uma falta1. É, em essência, sobre as faltas e anseios que os diálogos e recordações das personagens no filme são trabalhados. E, afinal, elas esperam pelos seus maridos que estão ausentes, sendo essa situação também uma metáfora para suas frustrações com os mesmos. Portanto, a ausência é física e, ao mesmo tempo, emocional.
Os episódios narrados por cada uma das esposas são apresentados como flashbacks. No primeiro, temos a lembrança de Rakel sobre seu caso extraconjugal com um amigo de infância e como isso foi confrontado pelo marido. Uma memória de conflito entre o desejo e padrões morais, incluindo também um questionamento sobre o dever da mulher de “cuidar” do homem. No segundo episódio, é a vez de Marta, que conta sobre o início do seu relacionamento atravessado por preocupações familiares, sociais e econômicas do parceiro, sempre se sobrepondo às necessidades dela. Ela engravida, mas não conta ao parceiro e decide dar à luz sozinha, em parte porque já se sente solitária todo o tempo, mesmo que apaixonada.
O terceiro episódio é sobre Karin e mostra o momento em que ela e o marido ficam presos num elevador. É aqui, inclusive, que se concentra o tom cômico do longa. A situação inusitada é catalisadora de um diálogo sincero entre os dois. Após algumas verdades trocadas neste ambiente claustrofóbico – que serve de metáfora para o aprisionamento que ambos sentem internamente – eles conseguem resolver alguns impasses e se aceitam por hora, reacendendo até o desejo sexual. E quando chega a vez do quarto relato, de Anette, um enigma: ela não conta nada. Assim, fica a cargo do espectador interpretar o que isso quer dizer, preenchendo a lacuna ou não.
Cada um dos episódios tem características próprias para serem fiéis às diferentes subjetividades a que pertencem. O que chama mais a atenção é o flashback de Marta. Este se assemelha mais a um devaneio do que a uma rememoração objetiva e por isso as imagens são mais exploradas do que os diálogos. Há sequências inteiras sem troca de palavras, como no cinema mudo. E também há a utilização de uma memória dentro de outra ou um sonho dentro de uma memória, fazendo com que possamos ir mais fundo nas camadas e sentimentos da personagem, com nuances que nos escapam ao entendimento fechado, servindo a uma confusão proposital que nos tira do conforto da certeza.
Em comum a todas essas memórias, a presença de reflexos dos casais em espelhos, que remetem às dualidades, às fragmentações e à necessidade de cada uma dessas mulheres de olharem para si mesmas para se compreenderem e compreenderem suas relações. Ao mesmo tempo em que nós, como espectadores, também as olhamos e as interpretamos. Mas há que se dizer que momentos (ou episódios), por mais significativos, não são definidores de toda uma personalidade e, nesse sentido, a limitação que nos distancia de conhecê-las melhor é o fato de que elas são apresentadas a partir de um único aspecto: seus relacionamentos amorosos.
Mas já nessa investigação do inconsciente feminino sob a perspectiva de suas relações com o masculino, Bergman é sensível e atento, e mostra pinceladas de existencialismo, de opressão e conveniência social e outras questões essenciais na construção da identidade – o que sabemos que irá ser melhor desenvolvido ao longo de sua carreira. Destaque indiscutível também para a fotografia tão elegante e expressiva de Gunnar Fischer, que reforça esteticamente a proposta de cunho psicológico e reflexivo do filme. Há fortes contrastes de luz e sombras, que desenham geometrias, silhuetas, corpos e movimentos, e faz das imagens verdadeiras viagens visuais a um mundo muito íntimo e pessoal, mas que ressoa em todos nós.
1 HADDAD, Izabel. Feminilidade: Um Detalhe. Fractal, Rev. Psicol., v. 25 – n. 3, p. 497-514, Set. /Dez. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/fractal/v25n3/a06v25n3.pdf
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