04.04.2025

O que talvez tome mais tempo da minha vida no momento é Davi. Certamente o é. Davi é uma criança de 6 anos que ainda não viu nenhum filme na vida. Mas ele é atravessado de imagens da tela do celular que assiste durante mais da metade de seu dia. São pedaços de desenhos para bebês, que ele repete incansavelmente, são jogos de batidas de carro que os repete incansavelmente, são explosões que fazem ele sorri, incansavelmente. Eu o vejo sorri e me diluo. Sou motorista particular de Davi. Sou seu conselheiro. Sou seu médico. Sou seu parceiro de lanches. Batata frita para ele e sundae de chocolate para mim. “O mais barato e menor”, sempre falo para o atendente que já nos conhece e sempre nos atende com cara fechada. Um jovem hippie que parece ter nascido erradamente nesse deserto no qual estou. Podia lembrar quase uma Janes Joplim, mas essa geração que nos atende, a nossa geração de 50 e poucos anos, está longe de saber o que foi Woodstock ou Joan Baez. Joplin talvez algum desgarrado saiba quem foi. Mas não esse jovem que apenas deixa o cabelo crescer por simples preguiça. Tempos difíceis para uma nova geração que veio um pouco antes de Davi. Mas talvez seja o calor, penso. Mas penso mais um pouco: estou me tornando também essa pessoa de cara fechada. Esse hippie que não é somente preguiçoso, mas nem um pouco hedonista.

Sim, com o tempo dessa escrita nos tornaremos mais próximos, caro leitor, e se ainda tiver acompanhando com algum interesse o que penso, devaneios de fato…tenham calma… chegarão os filmes, os livros, as músicas, saberão de onde escrevo, como, por que? E sim, teremos histórias de filmes, filmes feitos e assistidos. Mas teremos Davi, e muito personagens que nesses arquivos, serão tesouros que me acompanharão. Acho que estou escrevendo esses arquivos por um motivo, no qual já percebo agora. Para ter esses tesouros, humanos e não, sempre registrados a mim. Ou seja, para ser mais feliz e seguro. Não deixando nenhum jovem que me atenda com um rosto sério, fazer meu dia ficar ainda pior.