Um olhar para o mundo, um conto
- Frederico Machado
- 11 de jul.
- 4 min de leitura
Parecia não ter fim. As duas irmãs estavam à frente, desviando de galhos secos, pelo caminho irregular. O caminho, em aclive, estava ficando cada vez mais íngreme. Mais atrás, vinham, cansadas, as crianças. Um pequeno bando de quatro ou cinco pequenos seres que com o passar da caminhada, ficaram mais quietos, muito devido ao cansaço que já estavam acumulando com o passeio. As duas irmãs seguiam silenciosas, uma olhando resignada para baixo, suando um pouco e parecia tentar descobrir pelo olhar, o que o chão pedregoso poderia lhe revelar. A outra, mais altiva, olhava para a frente, para o horizonte. Estava sentindo o vento que se aproximava mais frio, na medida que subiam a colina. Escurecia.

Ao longe, se ouvia o ruminar dos pássaros. Também se ouvia os insetos que rastejavam por perto. Não dava para distinguir qual barulho era mais alto. Fora isso, apenas o som do vento. Um vulto de luz surgiu quase queimando a retina de nossos personagens. O caminho irregular, antes fechado por pequenas árvores com galhos secos, finalmente se abriu numa amplitude. As duas mulheres param e se olham. Passam a mão nos seus rostos, onde insistem em aparecer pingos de suor. Olham-se e mudas, viram-se para as crianças. Parecem agora, já percorridos algum tempo de algazarra, o percurso de um funeral. Estavam agora ainda mais quietas, uma ao lado da outra, cansadas, resolutas com um único objetivo desejado: chegar no local inicialmente proposto. As crianças também param e olham as duas mulheres à sua frente. Veem a vastidão que as emolduram. As duas mulheres parecem, para as crianças, feitas de vidro. Elas só veem a imensidão agora. Não há mais galhos, caminhos estreitos, pequenas pedras no caminho. Só a vastidão. E as mulheres de vidro. Voltam a pular e andar mais rápido. Parecem agora um pequeno bando de cães. Latindo, pulando e correndo. Como pode haver tão rápida transformação nas atitudes de seres tão inocentes?
Foi aí, caro leitor, que um detalhe, não tão revelador, foi notado por esse narrador. Todos esses personagens à deriva, que pareciam ter um caminho e um objetivo, estavam como no limbo. A atmosfera que surgiu, no entardecer, cheio de neblina, deixava revelar ainda mais esse mistério, esse detalhe. O destino era incerto, tinham a certeza agora disto. Todos colocaram simultaneamente casacos grossos, gorro sobre a cabeça, luvas, pois o frio parecia que ia cair mais rápido e forte. Junto com os protetores de temperatura corporal, uma máscara foi colocada em cada um deles. Eram máscaras que cobriam o nariz, a boca, os olhos. Todos colocaram e tornaram-se figuras similares. Apenas alguns mais altos que outros. O objeto, irreconhecível na sua unidade, mas em comum, era essa máscara pegajosa, que com a sua colocação no rosto, fazia com que parecessem seres preparados para a indiferença.
Continuaram a caminhar. Tinham que caminhar. Agora cada criança estava mais distante uma da outra. Se antes pareciam inocentes amigos brincando, depois cachorros assustados, agora pareciam apenas adultos resolutos indo para a morte. Não estavam mais acompanhando um funeral. Eram os próprios mortos, enclausurados em seus corpos, com máscaras e roupas mortuárias. As duas mulheres à frente transpareciam agora o medo. O silêncio predominava. Pareciam que os pássaros e os bichos rastejantes da floresta desapareceram. Estavam também com medo do futuro? Ou apenas assustados com o medo desse pequeno bando solitário e perdidos? A amplitude da paisagem cada vez ficava maior.
A noite caiu por completo. Finalmente o silêncio absoluto combinava com a paisagem. Totalmente escura. Não se via nem se reconhecia mais nada. Não quiseram mais continuar a andar. Não podiam. Pararam e sentaram-se. As duas mulheres primeiro. As crianças vieram a seguir e resolveram também se sentar ao lado das mulheres. Não pareciam mais crianças. Nem mais cachorros. Nem mais velhos próximos da morte. Naquela escuridão, finalmente estavam com nosso narrador deseja de fato, desde o início: seres que você, leitor, possa criar de acordo com a sua própria imaginação. A escuridão estava completa. As duas mulheres tentavam ainda distinguir o que estavam à sua frente. Não conseguiam mais. O olhar só via a escuridão. Cada vez mais escuridão. As crianças, ou os cachorros, ou os mortos, permaneciam em silêncio, assustados. Barulho não mais existia. Ninguém mais se lembrava porque estavam andando e para onde iam. Não havia mais imagens, não havia mais cenas a serem descritas. A obra estava acabada.
A última lembrança da noite: uma das crianças retira a máscara, tateando com as mãos. Olha para o lado. Um breu. Respira fundo e sente o gosto do ar. E se lembra. Se lembra da escuridão de um sonho. De um sonho antigo, de quando, ainda quase um pequeno bebê, entrou numa escuridão parecida, numa sala escura cheia de cadeiras e a sua frente uma tela branca. Perguntou para uma mulher, uma das mulheres de vidro que agora está a seu lado, o que era aquilo. Lembra que ela o olhou e sorriu. Não era transparente na época. Falou baixinho em seu ouvido sussurrando: isso se chama cinema, respondeu, depois olhando para a frente, para a tela branca, onde resplandecia uma luz enigmática. A criança observou-a. Ela sorriu. Ambos sorriram. Foi aí, que ele virou o rosto e a luz entrou... pelos seus poros, seu corpo, seus olhos. A criança, observando a cena que surgiu, mágica, na tela a sua frente, percebeu finalmente, a claridade do mundo.
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